segunda-feira, 11 de abril de 2011

"If you try the best you can, the best you can is good enough"


Devo ter visto Paisagem na Neblina (Topio stin omichli, Theodoro Angelopoulos, Itália-Grécia-França, 1988) em 1988, 1989. Não tinha carro ainda, e todo domingo ia ao cinema mais perto de casa, a pé, na sessão das 18h. Voltava para casa por volta de 20h, pensando no filme. No dia em que vi a poesia de Angelopoulos, não saí pensando, mas flutuando. A paisagem ao meu redor era onírica. O céu estava diferente, o ar tinha outro sentido. O filme havia sido tão intenso que retirara boa parte do meu sentido gravitacional.

Hoje deixei a sala de cinema novamente em suspensão. Meus pés no ar, meu coração próximo de implodir, agradeci aos ceús pelo cinema.

Um filme nunca é só um filme.

No nosso cotidiano, há pequenas coisas que, sabemos, deveríamos fazer, mas deixamos de lado. Ligar para avisar que vamos nos atrasar - para o dentista, para um encontro com amigos, para o trabalho. Pagar o refri que o garçon esqueceu de cobrar. Jogar todo o lixo no seu lugar devido... Enfim, coisas que acontecem frequentemente. Nós podemos deixá-las para lá, como se não fossem importantes. E não seriam mesmo, se o descaso com pequenas coisas também não fosse o descaso com aspectos essenciais da vida.

Micro e macro cosmos. Interior e exterior. A nossa casa e o mundo todo. O eu e a humanidade.

Sempre penso que se conseguirmos nos melhorar um pouquinho já fazemos muito. Se olhássemos para nós mesmos e para quem está ao nosso lado de verdade, com atenção, interesse e amor, penso que já poderíamos cuidar um pouco melhor da vida. Dar mais valor a ela. Sempre tendo em vista, no entanto, que nada e ninguém é perfeito, e nem precisa ser.

Susanne Bier, diretora dinamarquesa que já havia me encantado em Depois do Casamento (Efter brylluppet, Dinamaraca-Suécia-UK-Noruega, 2006),  me deixou em estado de suspensão com  Em Um Mundo Melhor (Haevnen, Dinamarca-Suécia, 2010), Oscar de filme estrangeiro em 2011. Grudei na cadeira, juntei as mãos em prece e quase perdi o coração durante as duas horas do filme. Nada é tão simples e nada é tão obscuro. Saber onde estamos e quem somos é uma tarefa a cumprir neste mundo.

O personagem Anton nos leva por esse caminho. Ele luta pelo que acredita e por quem é, mesmo que isso o coloque contra ele mesmo. Falo dele aqui, mas não é o único, ou mais importante. As pessoas se entrelaçam no filme, suas histórias se tocam e interagem. Susanne Bier expõe o que são, e quão maravilhosas são, com seu olhar delicado e cuidadoso.

Coisas acontecem e parecem nos arrastar numa correnteza sem fim. Se assim sentimos e tentamos lidar com as situações, é um início. Uma ação. Se ignoramos o quanto o que acontece no mundo hoje nos angustia e como as situações nos pesam, esperamos que alguém aja por nós. Que alguém nos solucione. Agredimos para chamar a atenção. Olhamos o outro como uma ameaça, não como outro ser humano. Fechamos a empatia em comportas de aço para não nos responsabilizarmos pelas nossas angústias e nem ajudarmos o outro. Gritamos por atenção ao mesmo tempo em que ignoramos o que está ao nosso redor.

Reconhecer o que está errado e tentar agir corretamente seria a chave. Mas o certo e errado parecem muito difusos no nosso julgamento. Por isso  o olhar atencioso é tão importante.

Atenção que deveria ser ainda maior com relação às crianças. Elas, sufocadas num mundo que não faz sentido, querem corrigi-lo. Buscam segurança onde conseguem encontrá-la. Buscam soluções para o mundo caótico de seus pais, família e escola, sendo que essa não é uma responsabilidade sua. Ainda.

Toda essa confusão de sentimentos, ações e violência Susanne Bier me trouxe, hoje, em delicadeza suprema. Saí do cinema com um pensamento: a delicadeza pode trazer uma intensidade de imagens e expressão que nos abala mais que qualquer outra coisa. Trazer o que é dolorido e ainda assim transmitir uma suprema esperança na vida é transformador. E assim eu saí do cinema hoje, realmente com esperança em um mundo melhor.

Uma viagem intensa, dolorida e bela.



(O título deste texto peguei emprestado de Optmistic, música de Radiohead).


2 comentários:

  1. Dri, que texto lindo. Sensível e realista.
    "Fechamos a empatia em comportas de aço para não nos responsabilizarmos pelas nossas angústias e nem ajudarmos o outro.
    Esses dias no ônibus me dei conta que te tenho feito muito isso, inconscientemente amarro a cara para o ser ao meu lado não puxar assunto. Há uns anos atrás eu que gostava de puxar assunto com estranhos. Adorava dar informação na rua. Só que quando a minha fixa caiu a antipatia se tornou uma angústia profunda de saber que cheguei a esse nível. Entendeu? Hoje acordei do avesso, nem eu to me entendendo.
    Mais filmes para eu ver. =D

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  2. Snif, snif... de ter voltado sem ter dado pra ver mais filmes. Fiquei louca pra ver esse! Agora é torcer pra chegar por aqui. Seu texto está um desbunde. Beijinho.

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