segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Leaving the door Unlocked


Eu fico muito impressionada quando encontro um livro, um filme, uma música que trazem para mim se não um senso de realidade (o que é isso, afinal?), mas uma sensação de vivacidade que aproxima do que vejo, leio, ouço.

Alguns cineastas conseguem se colocar muito próximos de mim, mesmo que a trama seja claramente fictícia. Se seria possível um futuro em que clones são criados para doarem órgãos, sendo tratados como coisas, ou se uma fazenda rabiscada no chão denuncia a dramatização da trama (se quiserem saber a que filmes me refiro, basta acessar o link de cada um... embora, no primeiro, a minha afirmativa seja um grande spoiler...), não importa: a vivência denunciada em tela aproxima-se de mim e da minha visão de mundo. Da minha relação com ele.




EmWe Need to Talk About Kevin (já editado em português com o nome Precisamos Falar Sobre Kevin), cheguei à conclusão de que o cuidado e a falta de preguiça colaboram muito para essa proximidade. E cuidado e ausência de preguiça é o que Lionel Shriver tem de sobra. Eu já a havia admirado em The Post-Birthday Word (comentado aqui no Viagens) e esperava muito de Kevin.
A introdução ao livro já nos conta um pouco a respeito:
“Every now and again, one of those books come along that makes the hair on the back of your neck stand on end when you read it. A novel that’s bigger than the story contained within its pages, bigger than the context within which it is published, not limited by or to the fashions of the day. We need to talk about Kevin is one of those books.” (introdução)

Não me decepcionei. E a admiração aumentou muito.

Shriver, no epílogo ao seu livro, explica o que a move a escrever. São suas estas palavras:

“I can roughly divide my novels into two stacks. They either address what I want, or what I fear. Perhaps to my spiritual detriment, the latter pile is the taller, and from my crowd of phobias – of failure, other people – one hose head and shoulders above the rest above three years ago. I was petrified to have children.” (p. 471).

Como dizer que algo é fictício se o que o move são sentimentos tão vivos e intensos como o medo e o desejo? 

A honestidade de Shriver tanto ao comentar seus livros como ao escrevê-los é o que, para mim, os torna tão palpáveis. A decisão de ter filhos também sempre me foi petrificante. Tenho um amor muito especial pelas crianças que me rodeiam, que fazem, felizmente, parte da minha vida. Mas nunca me convenci a ser mãe. O tamanho e peso da maternidade me soam insustentáveis. E isso ocorre não pelo medo da responsabilidade... mas pelo pavor da perda. Pela incerteza de ser capaz de tornar compreensível um mundo que se torna cada vez mais sem sentido. A minha admiração por quem assume a maternidade com o coração aberto, a responsabilidade assumida, o amor intenso numa tarefa que me parece de fato impossível é igualmente grande.

Idealizar a maternidade é too easy. Lidar com a culpa por não corresponder a esse ideal, assumido e difundido socialmente, tem sido uma das perversidades que mais me chama a atenção. Diante do cansaço, do sono, do medo, do desejo de se superar, muitas mães se martirizam, sem reconhecerem o quanto dão o melhor de si com o que têm disponível.

O reverso da medalha também se apresenta. A idealização da maternidade intoxica lares que se apoiam nela como uma muleta para não reconhecerem as dificuldades de cada pessoa na família. 

Vejam que disse pessoa, e não membro. A institucionalização do ser humano é uma complicação, a meu ver. Mulheres, homens, crianças, idosos... Mães, pais, filhos, avós... Tudo se mistura no ideal de família feliz e unida que não convence nem numa propaganda de margarina. E aí, criança vira aquele ser que não é gente... e muita confusão vem daí. Uma das falas do livro, citadas adiante, diz exatamente disso.

Assim como sustenta que ter filhos é como deixar a porta destrancada...

O olhar atencioso e honesto se perde nas armadilhas da idealização. No uso de uma muleta perversa que, em vez de nos aproximar da felicidade, nos distancia de nós mesmos. Um trabalho diário e cuidadoso é uma forma de evitar essas armadilhas.

Eva Katchadourian é uma mulher que olha com atenção seu filho. Sua aversão à maternidade depõe contra ela aos olhos do marido, que prefere idealizar o primogênito a reconhecer que problemas doloridos e complicados habitam sua enorme casa num subúrbio de Nova York.

Quando, quase aos 16 anos, Kevin, numa ação claramente planejada por anos, mata nove pessoas na sua escola, a pergunta dos que o rodeiam, da sociedade e, sim, de Lionel Shriver é: na luta entre nurture and nature, entre educação e natureza própria, como se explicaria a premeditação e frieza de um adolescente ao cometer um homicídio em massa? Ele já nasceu totalmente evil ou sua frieza vem da distância e negligência dos pais - mais especificamente, claro, da mãe?

Essa é a pergunta que Eva, a mãe de Kevin, se faz durante todo o livro, em cartas que escreve ao marido. Nelas, explicita seus medos, suas dificuldades, desconfianças. Desvela, também, a extrema frustração que é se opor aos ideais de um pai que, ao considerar necessário defender incondicionalmente o filho de uma mãe reticente, esquece de olhá-lo de verdade. 

Cada página é apresentada em sentenças fortes e elaboradas. A forma de escrever de Lionel Shriver reflete, a meu ver, o comprometimento que tem com a sua visão de mundo. Seus livros não são fáceis de engatar... nas duas vivências que tive com ela, só consegui agarrar o livro realmente depois das primeiras 200 páginas. O modo como ela constrói o contexto em que coloca seus personagens é também admirável. Os dois livros eu comecei e parei... para, então, continuá-los num frenesi de espanto e admiração. 

O tema é difícil? Sim. Mas ele está aí, nas brechas da idealização, nas fendas de uma vida idealizada que não se sustenta. Racha, quebra, despenca... e não é de surpreender que seja assim. 

Por fim, sem dar uma solução ao problema ou uma resposta fácil, Shriver me levou a uma constatação: uma existência sem identificações, afinidades, é uma existência sem sentido. A falta de sentido leva a procurá-lo de formas cada vez mais extremas e desafiadoras do status quo. Leva, também, aquele que se acha lost in space a culpar alguém pela ausência. 
E a culpa, geralmente, recai na mãe.
Vale lembrar que o livro foi adaptado para o cinema, em filme do mesmo nome... Vi trechos que me arrepiaram. Parece que a intensidade da história não se perdeu. Ufa.

Trago algumas palavras de Shriver, que não apresentam spoillers ou comprometem a leitura do livro:

 “By the time I gave birth to Kevin at thirty-seven, I had begun to anguish over whether, by not simply accepting this defect, I had amplified an incidental, perhaps merely chemical deficiency into a flaw of Shakespearean proportions.” (Eva, p. 31).

“But in the same vein, when a car nearly sideswipes me in a crosswalk, I’ve noticed that the diver is frequently furious – shouting, gesticulating, cursing – at me, whom he nearly ran over and who had the undisputed right of way. This is a dynamic particular to encounters with male drivers, who seem all to grow more indignant the more completely they are in the wrong. I think the emotional reasoning, if you can call it that, is transitive: You make me feel  bad; feeling bad makes me mad; ergo, you make me mad. If I’d had the presence back then to seize on the first part of that proof, I might have glimpsed in Kevin’s instantaneous dudgeon a glimpse of hope.” (Eva,p. 47)

Oh, I love you anyway, youngman, like it or not. But I had an inkling that it was following just these pat scripts that had helped to land me in a garish overheated room that smelled like a bus toilet on an otherwise lovely, unusually clement December afternoon.” (Eva,p. 51).

“We might as well have left the door unlocked.” (Eva, p. 60).

“However admirable, your eagerness to give your live over to another person may have been due to the fact that when your life was wholly in your lap you didn’t know what to do with it. Self-sacrifice was an easy way out. I know that sound unkind. But I do believe that this desperation of yours – to rid yourself of yourself, if that is not too abstract – burdened our son hugely.” (Eva to Franklyn, p. 64).

“I’m not sure how such people manage to get their heads around proper disaster after having repeatedly exercise the full powers of their consternation on traffic.” (Eva, p. 79).

“Thus even tragedy can be accompanied by a trace of relief. The discovery that heartbreak is indeed heartbreaking consoles us about our humanity (though considering what people get up to, that’s a queer word to equate with compassion, or even with emotional competence).” (Eva, p. 93).

“Our compatriots seem to put much stock in slapping a tag on their ailments. Presumably a complaint common enough to have a name implies that you are not alone and dangles options like Internet chat rooms and community support groups for rhapsodic communal bellyaching.” (Eva, p. 100).

“You regarded a child as a partial creature, a simpler form of life, which evolved into the complexity of adulthood in open view. But from the instant he was laid on my breasts, I perceived Kevin Khatchadourian as pre-extant, with a vast, fluctuating, interior life whose subtlety and intensity would if anything diminish with age.”(Eva to Franklyn, p. 137).

“In a country that doesn’t discriminate between fame and infamy, the latter presents itself as plainly more achievable.” (Eva, p. 197).

“”Kids have a well turned radar to detect the difference between an adult who’s interested and an adult who’s keen to seem interested.” (Eva,p. 369).

“I reason that nothing about a blindness to beauty necessitates a blindness to ugliness, for which Kevin long ago developed a taste. Presumably there are as many fine shades of the gross as the gorgeous, so that a mind full of blight wouldn’t preclude a certain refinement.” (Eva, p. 379).

“Maybe he is mad that is as good as it gets. Your big house. His good school. I think it’s very difficult for kids these days, in a way. The country’s very prosperity has become a burden, a dead end. Everything works, doesn’t it? At last if you’re white and middle class. So it must often seem to young people that they’re not needed. In a sense, it’s a if there’s nothing more to do.” (Kevin's teacher, p. 391).

“What does that mean? Your dad ‘loves’ you and hasn’t a (bleep)ing clue who you are? What’s he love, then? Some kid in Happy Days. Not me.” (Kevin, p. 413).

Nothing is really happening.You read the paper, or if you’re into that sort of thing you  read  a book, witch is just the same as watching only even more boring. You watch  TV all night, or maybe you go out so you can watch  a movie,  and maybe you’ll get a phone call so you can tell your friends what you’ve been watching. And you know, it’s got so bad that I’ve started to notice, the people on TV? Inside the TV? Half the time they’re watching  the TV. Or if you’ve got some romance in a movie? What do they do but go to a movie. All these people, Marlin,” he invited the interviewer in with a nod. “What are they watching?” (…) “People like me.” (Kevin, p. 415).

Depois da pancada que é Kevin, eu cheguei a mais um livro de Nora Roberts, The Next Always, em sua nova trilogia (In Boonsboro Trilogy). Pensei, de início, que seria bom desacelerar... Gosto dos livros da Norinha,como eu e Kakal a chamamos. 
Em cada trilogia, um mundo diferente, pessoas com profissões interessantes, que amam e que as possibilitam se posicionar no mundo. Donos de cafés diferentes, livrarias fofas, B&B's diferentes no meio do nada na Irlanda, escritores de quadrinhos, bruxas... Na última saga, The Bride Quartet, a história era sobre quatro amigas que eram sócias numa casa de festas especializada em casamentos. Cada uma tinha uma função: a administradora, a florista, a fotógrafa, a doceira... e cada livro do quarteto era dedicado à vida amorosa de uma delas dentro daquele mesmo mundo. Assim são as sagas e trilogias da Norinha, cada livro um personagem... Os tipos físicos e psicológicos reaparecem, as relações são parecidas.... Nos últimos livros, ela amenizou o trauma dos personagens e o sexo selvagem... uma pena : ) Mas tudo continua mais ou menos igual, e foi essa familiaridade que me permitiu começar a ler em inglês definitivamente, até conseguir chegar a livros com personagens e vocabulário mais diversificado.


 Fora das trilogias, os seus livros não me atraem muito, embora eu os leia todos - apresentam aspectos de terror e violência que acho bobocas. Mas isso não me afasta deles, rs. Uma coisa legal é como NR faz referências a outros de seus personagens em diferentes livros. Gosto dessas referências cruzadas da ficção citando a si mesma. Neste último, os quartos da pousada que os irmãos Montgomery estão reformando têm nomes de casais famosos da literatura... Elizabeth e Darcy eu adoro, e seria o quarto que eu reservaria. Mas, como pretensão pouca é bobagem, um dos quartos se chama Eve e Rourke, o casal vinte da série In Death, que Nora Roberts escreve sob o nome de J.D. Robb.

No entanto, depois de embarcar num mundo tão honestamente explicito e sem concessões, não consegui mergulhar no mundo da NR (iniciais que são marca da autora). Assim, não consigo dizer se esse livro está mais bobo, ou se o meu coração é que não conseguiu encontrar um lugar para ele. 
Mas, como disse, isso não me impedirá de ler os próximos... 

 No cinema, o grande evento do mês foi, claro, a estreia de Breaking Dawn Part 1, a adaptação em duas partes do último livro da Saga Crepúsculo. Muito tempo esperando pelo filme, compra antecipada de ingressos... Ele merece um post só dele, e isso deve acontecer ainda nesta semana, com todo o otimismo do mundo, rs.

Durante a primeira metade de novembro, o cinema foi um programa com as crianças. No dia 13/11, eu despertei da preguiça e parti para encontrar alguns dos poucos filmes em cartaz que queria ver.

Contágio (Contagion. Steven Soderbergh, US/Emirados Árabes, 2011) foi uma surpresa. Eu ando tão desantenada que não sabia, até os créditos finais, que o filme era do Soderbergh. Meu diretor favorito por um bom tempo, seu primeiro filme - Sexo, Mentiras e Videotape - ainda permanece comigo. 
No início, não pus muita fé. Ainda desanimada de estar no cinema, achei que o filme poderia ser uma bomba absurda... mas, aos poucos, numa história em fragmentos, bem construída e ágil, o filme foi me conquistando até que, ao ver o nome do diretor, entendi porque ele havia me parecido diferente. Os diversos lados de uma epidemias são mostrados em personagens coesos, interpretados sempre por atores muito conhecidos... o que também desperta a curiosidade. 

Quando li a sinopse de A pele que habito (La Piel que Habito. Pedro Almodóvar, Espanha, 2011), já havia decidido que esse filme não era para mim. Adoro Almodóvar, mas não me encontro em tudo que ele faz. Porém, como Abraços Partidos, o último filme que dele assisti, me conquistou inteiramente, resolvi deixar de lado minha recusa a ver filmes com cenas de estupro e entrei no cinema. 
Não tenho traumas pessoais com violência sexual, mas acho toda cena de estupro em cinema o fim. Um risco enorme é a erotização da violência, e são pouquíssimos os filmes que apresentam uma exceção. O de Almodóvar não é um deles.
No entanto, ele expõe de forma genial a violência a que se pode incorrer quando se tem os meios para isso. E, por isso, como costumo dizer com os filmes de Michael Hanecke, este último de Almodóvar é incrível, mas não me pergunte se eu gostei. É impossível associar gosto à experiência de A Pele que Habito
Esta semana, conversando com a amiga de uma sobrinha, de 14 anos, ela me disse como se surpreendeu com Antonio Banderas, pois ele, falando espanhol, para ela, é um ator muito melhor. Eu só posso concordar, principalmente ao pensar em como não conseguirei ver Banderas sem lembrar do terror que o personagem dele me trouxe...

O preço do amanhã (In Time. Andrew Niccol, US, 2011) não havia me atraído muito. Justin Timberlake... hum, acho que não. Mas me rendi ao filme quando vi Niccol na direção, porque adoro Gattaca (1997) e O Show de Truman (1998), de que é roteirista. Mas Gattaca foi o voto de minerva, e não me arrependi. O filme é bom demais : ) Não tem outro jeito de falar...rs. A ideia do tempo como moeda corrente é de uma exposição clara do que gastamos em cada ação nossa. Mas, no mundo de In Time, esse preço se expõe, e o comprometimento de vida que ocorre em cada consumo é explícito. 
E, como gosto de dizer, preconceito é uma companhia muito inconveniente para se ter no cinema... Justin Timberlake está ótimo.


 PS: A partir de hoje, uma nova dinâmica no Viagens. Com o exemplo de dois blogs de que gosto muito, vi que estava comendo mosca em não colocar links para algumas citações... Kal, minha sis querida, passou a utilizá-los em seu blog andarilho e muito querido, e eu aqui a estou copiando. Jô Ribas, que conheci aqui no Viagens e que tem um blog fofíssimo, usa de forma muito bacana os links.
Na natureza, nada se cria, tudo se copia... então  vamos nós! Espero que gostem. Nos filmes, coloco o link para o Internet Movie Data Base - IMDB, o site que consulto para as informações dos filmes que trago aqui. Nele, além das informações, há comentários dos espectadores - às vezes, as únicas críticas que leio sobre um filme... -, alem de fotos e trailers, o que possibilita mais contato com os filmes. Nos livros, trago principalmente o site da Amazon - além das informações sobre o livro em si e o autor, gosto muito dos comentários dos leitores.  
Digam depois o que acharam...!



2 comentários:

  1. Dri,
    Tantas coisas a dizer...
    Bárbaras as cosiderações sobre "Kevin" e Shriver. O cuidado e a falta de preguiça, pelo jeito, te contaminaram!
    Os links só melhoraram o que já era muito bom. Facilitaram a nossa vida, hohoho.
    Ui, fiquei ainda mais interessada em ver A Pele que Habito e O Preço do Amanhã!
    Obrigada por essa injeção de energia!
    Beijinho!!

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  2. Ufa, terminei. Quanta informção de qualidade num único post. Coisa rara de ver esses dias nesse mundo do twiteiros.

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